Ensaio sobre o Amor II
Fala-se no amor como a essência da vida. O caudal das águas potáveis e correntes, fonte de energia inesgotável onde possamos saciar a nossa necessidade de consolo, que o escritor sueco Stig Dagerman, com previdência, ditou impossível de satisfazer. Os paladinos do amor universal dizem que todo o grande amor permite a ocupação de amores fortuitos, como uma grande casa (Sanzala) repleta de quartos. O amor, o AMOR, porém, é coisa rara, a que a mestra do amor do eterno retorno, Hélia, disse ser tão rara como um homem se evolar pelos ares ou um analfabeto citar Cícero em correcto latim. O que é o amor senão a raiz da própria existência onde cabe tudo, até o desamor e os sucedâneos da raiva, do ódio, e acima de todos os males, o medo. O medo leva ao ataque como dirão o zoólogo e o etólogo avisados. No amor há o medo da perda, pela morte ou o abandono, e muitos são os órfãos de amor do princípio ao fim, por conta de uma dor funda e antiga. Há amores que toleram o amor fortuito, mas são amores infelizes. O amor fortuito não é, na maior parte das vezes, amor. Não o amor raro, que, porém, é tão vulnerável e frágil como a árvore de tronco mais robusto. Sem rega e poda nenhum amor chega a ser maduro. Sem capacidade de chegar ao concílio de que um amor é a soma de duas partes e de todas as partes de cada um, o amor não passará de um usufruto mútuo, uma satisfação de necessidades complementares, em que o coração e a mente, o pensamento e o sentimento, jamais se fundem numa raíz de redondo vocábulo. Ama-se melhor quando se sabe amar no amor-próprio e dele se sabe sair antes de o egoísmo tomar conta do ser e impedir a justa medida. Ter ou Ser, são o raio de escolha. Um raio de luz.